segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Você só vive uma vez

Mesmo no escuro, o chão estava salpicado dum carmesim que pulsava num ritmo contínuo. Levou as mãos ao rosto antes de ser acometida por outra vertigem: as coisas ficavam distantes e rodopiavam sem parar. Travou a respiração, reuniu forças e conseguiu contar até 12 (o dia da sorte deles) e as coisas se acalmaram. Prosseguiu a sua caminhada rumo ao desconhecido.

As ruas estavam desertas, a não ser por ela e o brilho da lua que irradiava reflexos azuis nos prédios adormecidos. Sentia-se bem sozinha, em sua plenitude. Exercitava canalizar o que existia de melhor em sua essência e buscava dissipar tudo aquilo que não lhe apetecia. Já havia se perdido na quantidade de vezes que estava ouvindo o mesmo álbum de The Strokes só naquele dia. I'll be waiting for you, baby...

Sentiu que outra vertigem estava se aproximando e, antes de deixar-se rodopiar para o além mais uma vez, sentou no banco de madeira do pier que estava a sua direita. O som da maré e a brisa salgada a acalmaram instantaneamente. Acompanhou o reflexo da lua no mar até o ponto em que seus olhos conseguiam alcançar. A plenitude de momentos assim era única e ficou grata por sem quem era.

Após um tempo que não soube contabilizar em segundos, minutos ou horas ali sentada, olhou para trás repentinamente. Aquela mancha carmesim a perseguia e percebeu que estava sangrando. Infelizmente, sabia exatamente em qual lugar aquela ferida estava localizada. Sangrava de dentro para fora. Sit me down, shut me up, I'll calm down and I'll get along with you...

Soube que era um processo gradual. Sonhara com ele repetidas vezes durante aquela semana: era sempre o último sonho antes do despertar violento. Acordava no susto, agoniada e lutando com todas as forças para voltar ao sonho, sendo ele bom ou não. Queria acreditar que ele também sonhava com ela, e que, como às vezes se lembrava dos sonhos, que ele precisava dela tanto quanto a recíproca era válida. Não mendigaria o amor do seu amor. I can't see the sunshine...

Fez de tudo para não pensar, mas descobriu que não querer pensar já era pensar. Poderia fazer as suas coisas, escalar processos prioritários, mas ele sempre estaria lá. Ele era um processo rodando em segundo plano e ela teve que matá-lo. No final, o seu jardim renasceria mais belo e mais forte, sem mágoas. Ao sair para a feira, venderia o que houvesse crescido de melhor: no final, a gente só oferta o que tem. Alright...

Retirou o notebook da sua mochila, abriu o terminal e digitou, pela milésima vez, mesmo sabendo que era em vão, o seguinte comando finalizá-lo:

root@he:~# kill -LOVE pid

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