O banho rápido e gelado o trouxe um pouco de volta a realidade. Conseguiu uma carona até metade do destino semanal. A estática mental continuava e, juntamente com um grito de socorro apertando a garganta, só restava seguir imerso em pensamentos autodestrutivos.
Introspectivo em seu acento no ônibus, continuou o velho e matinal ritual de leitura. Lia sempre que podia, principalmente dentro dos ônibus pra matar os pensamentos cinzentos. Decorrido algum tempo, deu uma pausa: tirou os óculos, esfregou os olhos profundamente e olhou o fluxo pela janela.
As coisas lá fora passavam num borrão de cores vivas e brilhantes devido ao forte sol. Era engraçado pensar que a vida estava passando de forma igual para todos, mesmo para aqueles que não estavam em movimento, mas que faziam parte dos vultos vistos por dentro do ônibus. E, indo além, cada borrão estava travando lutas internas contra demônios e vampiros reais.
Os demônios estão entre nós, assim como os vampiros que não possuem consciência de si próprios e nem de seus reflexos – pois nada lhe causam. Se tudo é uma questão de perspectiva, considerava o pensamento válido.
De súbito, um pensamento o acometeu: estava muito atrasado. Rapidamente, olhou para o relógio no braço esquerdo e teve certeza que o seu coração havia pulado uma batida: o relógio estava parado. O que havia de intrigante nisso? Estava avançado num espaço-tempo paralisado havia horas e não percebeu. Às vezes o tempo passa e a gente nem vê... Ou seria o inverso?
Somos telespectadores. As TVs estão desligadas. Apontam espelhos invertidos para nós. Vemos tudo que não queremos. Sufocamos no nosso próprio apelo.