sábado, 5 de janeiro de 2013

Redenção

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Estava de saco cheio daquela e doutras situações que a levavam até um beco sem saída. Sem nada pra fazer, depois de 4 meses da morte de seu pai, aquela mulher que se dizia sua mãe arrumou outro cara. E pra ser mais exato, ele era um tremendo babaca de carteirinha. A briga de hoje era, sem dúvidas, por algo tão banal quanto quem colocaria os pratos na mesa. Ouvia os gritos alterados do padrasto e os soluços entrecortados por tentativas de pronunciar algo nos lábios vermelhos de sangue da mãe. Tinha certeza que daqui a uma hora, ele estaria com um grupo de amigos em frente a TV assistindo o futebol gravado da semana passada enquanto a empregada-mulher corria em todas as direções pra atender os desejos do digníssimo.

Sabia que podia reclamar daquela maldita situação, mas não viver num ciclo de reclamações eternas. Conhecia muitas pessoas que passavam a metade do dia falando sobre os mesmos problemas e nunca tentavam aprender com os erros. Sem querer, pegou-se pensando que viviam situações parecidas com a sua. Não era mais uma garota e sabia disso, contudo, não era uma mulher. Algumas situações do universo adulto ainda eram incompreensíveis aos seus olhos. Não era ignorante o bastante pra ser ignorante. E o tempo não parava... Esperava resultados com os anos e via que o tempo apenas diminuía a sua intocável paciência. Queria sair daquele ambiente, daquele lugar totalmente invertido. Essa tão sonhada liberdade talvez fosse outra prisão. Sim... Os melhores prazeres são agridoces e poucos querem amargar de vez a sensação sublime de ser e ao mesmo tempo, não pertencer a ninguém ou a qualquer coisa. Em seu post mortem, atormentaria todos que um dia a fizeram regredir. Ali, andando no meio de multidões sem ser notada, talvez encontrasse o real motivo da vida. Seria o anjo da morte.

Dessa vez, trancada em seu quarto e rodeada por livros e o som da narração do jogo na sala, quis entrar na realidade paralela. Foi em direção a mesa do computador e abriu a gaveta. Tateou dentro da bagunça até encontrar um saco. Antes de abrir, sentiu que aquilo sussurrava pequenas doses de eletricidade e faziam o seu corpo tremer. Espalhou a cocaína numa linha e se preparou. Todo o resto não parecia mais existir.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Relato

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Sobre um amor e suas cinzas...

Quem me contou essa história já não está mais entre nós. Lembro vagamente de alguns fragmentos e me desculpem caso tudo esteja confuso. Às vezes, sem querer, transformamos algumas memórias em simples momentos atemporais.

As últimas palavras pronunciadas por aqueles lábios tão íntimos foram as piores, não por ser o fim, mas por implicar que tudo  não havia passado de algo banal. Aquele foi o meu primeiro amor e por assim ser, o mais difícil. Se me perguntarem qual foi o mais dolorido até agora, responderia, sem pensar, "o último".


No início do fim era saudade e quando terminou, sobrou apenas uma falta. Convertemos, através do tempo, a necessidade em desejo e por fim, em súbitas vontades. Esse era para ser o ciclo, pensava. Fora um dos melhores períodos da sua vida. Ainda guardava, além das lembranças, todas as correspondências. Decidiu, não por falta de maturidade ou por ressentimento, livrar-se de tudo. O amor, em essência, não é apenas um jogo em que apenas um saia vitorioso. Não precisava dosar homeopaticamente o que sentia. Talvez tudo fosse uma questão de interpretação e bom senso, desde as dúvidas até as respostas.


Naquela tarde não apenas o horizonte estava belo, mas tudo ao redor. Estavam juntos. Ali, no aconchego apertado da cozinha, muitos segredos eram compartilhados, mas quase não eram ouvidos. A comunicação era visual e sentida pelas batidas do coração um do outro. No calor do momento, sentiu aquele leve e profundo suspirar no ouvido. Olhou para aqueles lindos olhos lacrimejantes e soube que nada mais importava.
— O que foi? Não se preocupa, tudo continuará bem. Estamos juntos e não te deixarei sair assim tão fácil da minha vida. Se depender de mim...


— Ah, é que eu tenho medo. Sei lá! Contigo é tão diferente e especial... Às vezes, parece tudo tão surreal.


— Meu amor, o que importa é o que sentimos um pelo outro. A reciproca existe e eu amo ficar ao teu lado.


Um abraço apertado seguido de beijos encerrou o momento.



Agora, ainda sentia falta dos bons momentos. Nunca mais teria aquele abraço apertado ou aquele suspiro no ouvido. Perdeu o colo amigo e companheiro que tanto acalentava. Uma parte de si tinha ido embora com aquela pessoa. Tentava enxergar tudo isso como uma adição e não uma subtração. Laços são criados por algum motivo e sempre deixam conhecimento, por mais duras que as lições sejam.
Reuniu aquela papelada que tantas lágrimas arrancaram e colocou num recipiente. Jogou o álcool e acendeu o fósforo. O tempo pareceu parar ao redor e por um momento, quis fugir daquela situação. O ar retornou aos pulmões e com uma dor no fundo do coração, largou o fósforo.