Antes
de começar, é necessário informar que o final desse relato já nos é dito agora:
eu morri. Caso não queira saber como foi o meu último dia e todas as minhas
motivações, não continue. Todo conteúdo insensível é de total autoria do autor.
Sempre me preocupei
demais. Demorou bastante tempo até conseguir encontrar o motivo disso tudo:
ansiedade. Ansiedade essa que me agita e me desfoca de toda e qualquer
atividade séria que exija os meus neurônios funcionando de uma maneira
racional. Parece procrastinação, mas esse sentimento de não conseguir focar
sempre foi um dos meus grandes problemas. E é nesse momento que quem tem um
pacote fechado com a depressão, síndrome do pânico e ansiedade sofre. A dor
mental chega a ser tão forte que ela transcende até me atingir fisicamente.
Quando que tudo isso começou? Já desisti de buscar explicações. Tudo sempre
esteve em seu lugar, tudo sempre está ali ou aqui, basta saber como irrigar,
cultivar e esperar florescer. Nem sempre são coisas boas. A infância é um
momento de fundamental importância e nem os adultos sabem disso. Me deparei com
monstros em toda caminhada, e boa parte deles nasceram nos meus primeiros anos
de vida. Não há culpados.
A busca
por moldes socialmente aceitáveis é uma jornada do herói, em sua essência,
fadada ao fracasso. Nesses casos, não há a possibilidade do sucesso e o final é
premeditado. Me perguntei por muito tempo se eu era uma pessoa socialmente
aceitável porque nunca me considerei que fosse, não importava o que eu fizesse.
A tentativa de melhorar, de buscar ser o melhor mesmo com todas as adversidades
que o mundo nos impõe, só me mostrou ainda mais que o ser humano não valoriza o
espírito, mas sim a carne e os bens materiais. Meu pensamento sempre foi a
minha maior arma e também a minha maior prisão. Pensar que não tenho um filme,
comida ou cor preferida, sei lá, me assustava muito. Eu queria ser normal. É
tão pequeno para alguém mentalmente saudável ou que não passa pelo mesmo, mas é
uma zona de caos pra quem o sente. Me libertei disso pensando que: não devo me
limitar a nada! Que gostosa a vida é quando a gente não se resume unicamente a
uma só coisa, a um só sabor, a uma só visão. Já imaginou o quanto a gente deixa
de ganhar por não experimentar diferentes sensações pela cegueira e fanatismo
em uma só “coisa”? O pensamento é uma prisão. O nosso espírito é maior e mais
importante do que tudo que podemos imaginar. Alimente e cuide dele enquanto se
é possível. O aspecto físico, espiritual e mental devem ter um equilíbrio.
Isso tudo
aqui era para ser uma carta de adeus, mas creio que fui mais prolífico do que
saudosista. E é exatamente por esse motivo que me retiro pela última vez. Se
quiser saber sobre mim, procure o meu patrimônio na internet ou fale com quem
era próximo. Serão opiniões divergentes que convertem prum único caminho, isso
eu sei. A luta de verdade acontece quando estou só comigo mesmo. Esses embates
me dão mais sofrimento do que vitória, mas sempre usei isso como motivação para
seguir. Se tu passa por algo assim, desejo força para transformar essa dor em
energia. Um dia as coisas funcionam, nem que sejam a base de ódio. Um até logo.
A
carta de adeus acabou e agora iremos começar o relato da minha morte. Sei que
você estava curioso para isso, mas segura essa ansiedade porque será mais cru
do que você imaginava. Cortamos os gastos e os custos, o que impossibilitou uma
produção estilo Hollywood. No final, a morte é mais intrínseca do que parece.
Era
uma hora que não era dia e nem era noite, talvez pudesse ser o momento em que
os mortos retornam do seu mundo e assombram os vivos nos filmes de terror. Até
então, a única forma de vida humana ali presente era de cinco colegas
que haviam se reunido pra andar de skate, patins e bike: que geração fitness,
nunca consegui acompanhar. O riso era fácil e o suor começava a brotar pelos
poros dos jovens. A chegada D’eles foi tão repentina quanto ao evento final
desse enredo: enquanto os cinco se divertiam, um grupo de ******** desceu de um
carro e saíram em disparada em suas direções. Eram silenciosos, mas
extremamente mortais.
-
Quem são aqueles ali?
-
Puta que pariu, são os ********! Caralho, a gente se fodeu!
-
Só se escondam, porra!, falou um dos jovens enquanto molhava as calças.
Cada
um correu desgovernadamente em alguma direção diferente em busca de se
esconder. Talvez algum não tenha conseguido correr, mas não voltaremos lá pra
conferir. É difícil de explicar a fisionomia deles, sabe? Só sabe quem
sobreviveu a um ataque, e a verdade é que ninguém nunca sobrevive. De qualquer
forma, aquele menino estava disposto a sobreviver. Ele seria o primeiro! Saiu
em disparada por uma rua paralela. Quando chegou próximo a um cruzamento, seu
coração pulou uma batida quando novos ******** apareceram. Sem muita
alternativa, optou por pular uma cerca cor de merda de gato com dor de barriga.
Não teve tanta dificuldade pra fazer isso porque amava praticar coisas
radicais. Ao pular, caiu num quintal que havia uma varanda aberta e sem portão.
Se arrastou silenciosamente até ficar atrás da parte da varanda em que as
grades seriam colocadas. Respirou aliviado porque talvez fosse sobreviver.
Agora que já estava seguro, olhou pra frente e viu a porta de entrada da casa e
uma janela. A janela estava aberta e nela um homem gordo e careca estava virado
concentrado olhando pra dentro da casa.
Não
entendeu porque o homem não o havia o escutado quando ele entrou na varanda e
muito menos quando ele o chamou. Um segundo após ter pedido socorro por três
vezes para entrar na casa e se esconder junto ao homem, o rapaz careca se virou
pra derrubar as cinzas do cigarro na varanda e viu aquele homem ali no chão. A
troca de olhares foi quase capaz de gerar eletricidade. O jovem entendeu que
aquele homem nunca havia sido parcimonioso, talvez fosse um ex militar
aposentado devido a invalidez. Era realmente isso, sabe? O gordo careca era
surdo e estava sem seus aparelhos auditivos. Talvez até com os aparelhos ele
não teria ouvido o jovem o chamar. Foi ferido numa operação militar e ficado
assim pra sempre.
Sem
pensar uma vez sequer, o gordo careca meteu a mão dentro da casa, creio que em
uma bancada próximo da janela, e puxou uma arma. O menino entendeu ali que a
sua maior ameaça não eram mais os ********, mas sim aquele homem cruel e impiedoso. O
homem é lobo do próprio homem. O menino soube antes mesmo que acontecesse: ele iria morrer ali. O gordo careca disparou três vezes e todos os tiros dilaceraram as entranhas daquele pobre coitado. Não sentiu dor, ainda bem. Os sentidos foram se perdendo
e os olhos foram fechando. Nunca havia desmaiado, mas achava que a sensação era
que nem a de morrer. Fechou os olhos e foi grato por aquilo. Tudo acontece como
deve acontecer. É uma puta ironia.
Aquelas
balas não tiraram a sua vida, mas o deram uma nova oportunidade pra fazer tudo
diferente. O recomeço nascia ali.