domingo, 21 de agosto de 2016

Abrigo

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Não tem quando entramos em um ambiente escuro e vamos tateando direto em busca do interruptor? É um instinto mais do que natural buscar enxergar as coisas à nossa volta. O mais engraçado é que, quando agindo sob esse impulso, entramos e acedemos a luz que já estava acessa, ou seja, a apagamos. Ficamos rindo disso minutos depois tentando entender a peça que o nosso córtex visual acabou de nos pregar.


Aquele dia estava pacífico. Deitada e imersa nos pensamentos, podia até ouvir o feno passando e levando consigo pensamentos para lá de indesejáveis. Se pensar demais era um problema, em qual momento não pensar em nada se tornaria um? Um mix de anseios temperados com receios, paranóias e outras dúvidas a assolava.

Criou coragem e foi tateando em busca de apoio pra levantar. Ela sabia... Tudo estava revirado àquela altura do campeonato. Levantou e conseguiu tatear até a vitrola que havia ganhado num amigo secreto de natal da família. Naqueles dias, esquecia todos os problemas e conseguia ter um pouco mais de esperança pra seguir firme. Bem lentamente, colocou o vinil para tocar e, com uma espécie de batida abafada inicial, os sons invadiram a sua cabeça.

Primeiro foi a vez de Fleetwood Mac e o seu charme inconfundível pra falar de amor. Cantou junto com os olhos bem apertados pra quase entrar no mundo imaginário que a melodia criava. Enrolou um pouco, não sabia o trecho! O importante era se deixar levar... Will the landside bring you down? Mudou o disco após tê-lo ouvido, pelo que contou, duas vezes. No próximo, Renato Russo espalhava otimismo cantando que em vez de luz, havia tiroteio no fim do túnel. A vida é cruel. Sorriu amargamente.

Desligou tudo. O silêncio era tão alto que a incomodava. Aquela estática mental, aquele som abafado e zumbido, eram tudo o que precisava. Pensar, seja lá no que fosse, nem cogitava. Por quê? O pensamento atrai e dá forma aos nossos maiores medos. Levantou e tocou a maçaneta. O toque gélido a fez recuar instintivamente. Por fim, abriu a porta e atravessou o corredor até a sala. Foi invadida por um forte cheiro de maresia antes mesmo que chegasse até a porta que a levaria para fora daquela prisão.


Lá fora, os raios do sol refletiram um caleidoscópio ao encontrarem os seus olhos. Por um instante, sobrou só uma vertigem embalada pelos sons das ondas quebrando nas rochas do penhasco. Apertou os olhos ao máximo, e nada notou de diferente. Lentamente, levou as mãos ao rosto... Tudo entrou em foco como num devaneio das brisas de verão.