domingo, 7 de abril de 2013

Outros II

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Nota: Antes da postagem propriamente começar, venho dizer que ela ocorre paralelamente com outra conhecida por "Outros I". Caso não a tenham lido e queiram formar a trama, deixo aqui o link dela: Outros I.


[...] No momento em que caiu, o saco de ossos emitiu um baque surdo e mortificado contra o chão de madeira sujo. O tiro foi disparado e a bala foi de encontro à sua cabeça, deixando apenas os vestígios mentais duma alma não tão menos atormentada quanto à do autor do disparo. O bar não costumava lotar, mas nas sextas, a atração principal era a pequena e doce Marie. Conquistava todos com as suas ousadas coreografias orgásmicas  fazendo muito homem casado dormir na casa da mãe quando era indagado sobre como perdera o dinheiro ou sobre as chicotadas nas costas.Quando ela dançava, todos paravam para apreciar aquela vertigem. A música de cabaret deixava tudo mais sensual enquanto ela seguia fazendo as suas acrobacias no poste. A confusão estava armada e Marie não parava de dançar! Dois tacos de sinuca vieram na direção do autor do disparo e com muita habilidade prum bebum, ele conseguiu desviar do primeiro e acertar um soco no estômago do homem frustrado do outro lado, o derrubando sem fôlego. O segundo taco foi quebrado em sua cabeça sem que ele pudesse fazer algo para evitar. Sentiu o sangue quente escorrer por entre os olhos e mais uma vez sacou a pistola automática e disparou três vezes seguidas na testa do homem. Todos no bar o estavam olhando como se ele fosse o anticristo na Terra. O álcool no sangue dele pareceu não anestesiar mais as emoções e no impulso, saiu correndo em direção à porta. Cadeiras voaram em sua direção, mas não tão rápidas para acertá-lo. Lá fora, entrou no seu Cadilac 89 e partiu em rumo ao nada.

Dizem que quando as pessoas bebem às vezes elas fazem aquilo que não fariam lúcidas, mas o que acabara de acontecer no bar, Oscar tinha certeza que nunca faria algo parecido. Maldito álcool... Era policial recém aposentado e isso explicava toda aquela performance no bar. E como sempre, tudo começara por motivos banais: em casa, houve um desentendimento com a mulher e então, para afogar as mágoas, decidiu beber até cair e esquecer toda aquela crise de pré-separação. Sabia que essa necessidade de deletar a parte ruim das coisas que um dia foram boas fazia parte do homem e tampar um buraco com outro ainda maior, era a melhor forma de seguir vivendo. Aplicava essa filosofia em praticamente toda a sua vida, principalmente como policial. Durante uma operação numa favela em busca dum traficante que praticamente comandava o tráfico naquela região, Oscar tomou uma atitude que custou a vida do seu parceiro. A atitude, contudo, não sabia se tinha sido a errada. Talvez não naquele momento, mas lhe pareceu certa e entre acertos e erros, Fernando estava entre os seus braços dando seus últimos suspiros de vida enquanto o sangue escorria pela boca, nariz e ouvidos. A vida e as suas peças! Agora, pôde ouvir algumas sirenes ao longe em sua perseguição. Devia ter matado dois e feito estragos noutros, mas ainda estava totalmente com a mente enevoada para saber ao certo. Cruzou um sinal que estava verde, mas o próximo estava vermelho. A adrenalina tomou conta dele e sem pensar nas consequências, cruzou o vermelho. Não viu quando uma mulher surgiu na frente do carro e por consequência de sua imprudência, a acertou em cheio. Ao menos achava que era uma mulher. Não parou o carro e seguiu em sua fuga para o além.

Quando olhou no retrovisor, aqueles olhos o olharam como se não fossem mais os seus: fundos e distantes das órbitas. Buscou forças para decifrar o que diziam quando um lampejo os cruzou e o que viu no fundo daqueles castanhos escuros, foi apenas desaprovação. As pálpebras pesaram e então apagou por um tempo que não soube dizer se foram horas ou minutos, e uma lembrança o acometeu:

Tudo aconteceu sem querer, como quando jogamos a colher no lixo ao invés do pote de iogurte. Algumas conversas iam e viam, enquanto o apreço por ela só aumentava. A princípio, sinceramente, em nada pensou. Um intervalo de tempo depois percebeu que estava sendo envolvido por algo que ainda não sabia como terminaria ou simplesmente continuaria. E assim, encontro após encontro, finalmente o encontro aconteceu. As conversas não eram nada convencionais e isso o agradava, pois já estava cansado da velha rotina pacata de formalidades sem precisão. Aquela mulher o atraia mais que uma luz numa escuridão... Diferente das outras, ela era simplesmente ela. Não sabia explicar isso. Quando estavam juntos, sentia que irradiavam uma energia totalmente diferente, parecendo iluminar qualquer coisa que pudesse ofuscar suas trajetórias. Fixando os olhos nos dela, sentia uma paz de espírito imensa. Era como se aqueles pequenos olhos tristes o mostrassem o valor da vida e a incrível mulher que estava ao seu lado. Nos seus braços, nada mais importava: fosse a diferença de idade ou o aluguel atrasado. Agora, via que aquilo nunca mais voltaria. Estava à margem de seus atos e sabia que mais cedo ou mais tarde, aquilo não passaria de lembranças que o frustrariam, de um jeito ou de outro. Não veria mais os seus cabelos cor de fogo e aquele sorriso brincalhão de quem sabe um baita segredo ao seu respeito, mas nunca o revela. Ela era a América e ele, o seu Colombo.


Quando voltou a si, percebeu que as sirenes estavam mais distantes e se perguntou se ainda estava sonhando, mas não, elas realmente estavam se afastando. Ou seria ele? Quando percebeu, estava sozinho na estrada. Não era exatamente uma estrada... Era uma ponte.

Longe dali, numa das viaturas que perseguiam aquele louco e sem juízo, o policial Matheus ligou o rádio e pediu para que o agente do outro lado da ponte a subisse. Seria o fim da perseguição e o cara iria parar. Ele TERIA que parar... Ligou para a mulher e disse que chegaria um pouco tarde em casa. “Sem problema, amor”, foi a resposta da esposa e voltou para o amante.

Oscar notou que a ponte estava sendo içada e sabia que não havia mais como parar aquilo. Na verdade, nem sabia se queria fazê-lo. Tomou um gole do whisky e largou a garrafa no banco do passageiro, pisou fundo no acelerador e se entregou àquilo que na certa seria o fim de todos os problemas, o fim de sua vida. O marcador de velocidade mostrava 120 km/h no momento em que o carro planou pelo pequeno espaço entre as duas partes da ponte. O carro bateu com um baque metálico do outro lado e parou, começando a jogar fumaça para fora. Oscar viu a polícia, o esperando, à espreita do fugitivo de merda que ele era. Aquele era o fim, ele sabia. E no rádio, tocava alguma música que não sabia de quem era, nem o que significava, mas quando chegou no trecho “knive’s out”, Oscar não sacou a sua faca, mas a sua arma e a colocou dentro da boca. Não houve hesitação nem filme sobre sua vida diante dos olhos fechados e então o gatilho foi puxado. Tudo foi sugado pelo buraco negro da morte e no negro Oscar desapareceu.