quinta-feira, 12 de julho de 2012

Rascunho: II

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Naquela noite em sua cama, resolveu escrever. Escrevia sobre devaneios, sobre pessoas e sonhos afogados por ilusões vividas e tão pouco esquecidas. A morte era o seu tema favorito. Doce, mas cruel, pensou com um sorriso nos lábios. Quando a caneta estava entre os seus dedos, era transferido para outra dimensão; um mundo somente seu e cheio de perigos. Perguntava-se de qual lugar aquelas palavras bonitas brotavam no papel do antigo caderno de composições musicais que um dia tentara escrever enquanto era envolvido pela vida boemia. Não são as melhores criações, mas são as únicas que fiz. A vida que escolhera era cortada por caminhos obscuros e densos que, até mesmo um demônio, perder-se-ia com facilidade. O aroma agridoce do quarto escuro o envolveu e pôs-se a escrever, lenta e firmemente.

Adormeceu logo em seguida. Estava exausto do dia e das pessoas ao seu redor. Que pessoas, otário? Não havia ninguém ali. Que a verdade seja dita: era um solitário de carteirinha. Só tinha vadias naquela jornada repleta de crateras. Foi largado pela única mulher que amou mais que a velha matriarca que o criara. Quanta saudade sentia? Nem sabia dizer. Foram longos verões ao lado do afago feminino que o levava ao delírio. Nos seus sonhos, ela sempre estava presente. Lena, costumava chama-la durante a intimidade do casal. Pensando bem, Helena era um ótimo nome para ela. Viveram durante anos e nunca passou pela sua cabeça que estava sendo traído pela mulher que compartilhava a sua cama. É inevitável, os relacionamentos sempre acabam, tentava amenizar a martirizarão com o término da relação. Servi para algo, afinal. Sofrer é o meu castigo. Helena separou-se dele no dia do seu aniversário. Estava cansada da velha ladainha e tinha conhecido outra pessoa, afirmou. Que presente! Ela não quis nada dele, apenas o deixou arruinado e com uma casa habitada pelos fantasmas sussurrantes de sua presença.

Ouviu falar que o seu novo marido havia morrido, mas não a procurou. Acreditava que quando as pessoas precisam de algo, elas sempre encontram alguém para mendigar. O sonho daquela noite não foi diferente dos demais: estavam no antigo campus de sua faculdade, com Helena no colo e excitado pelo beijo que acabara de ganhar. Porém, sentiu algo estranho no ambiente; um silêncio que nunca existira e um horizonte tão negro como uma mortalha recém-lavada. Entre as poucas árvores do campus, uma jovem se esgueirou e partiu na direção deles. A jovem era quase linda, se não houvesse sangue por suas calças jeans e arranhões pelos braços e o rosto. Portava uma arma, notou de súbito. Ambos ficaram estáticos, porém a jovem continuou vacilante e com lágrimas de sangue nos olhos. Era um triângulo amoroso de sexta-feira 13 e ele não ficara sabendo? Então a moça estava com a arma apontada a poucos metros deu seu coração, quando, de longe, ouviu os riffs de smoke on the water em seus ouvidos.

Acordou assustado. Era madrugada e estavam ligando de forma restrita para ele. Que diabos, praguejou. Pegou o telefone e disse: - Alô?
- Pai, precisamos conversar. Uma voz rouca disse.
Pai? Isso era engano. Não tinha filhos. Deveria ser engano, mas no momento, sentiu algo diferente naquela frase.