terça-feira, 21 de maio de 2019

A maré

O escuro sempre me trouxe segurança: havia o frio na barriga, mas a felicidade em vencer as criaturas que habitavam aquele espaço desconhecido era gratificante. E eu sempre buscava sentir essa sensação. Crianças são bichos estranhos desde sempre, nunca desacreditei nisso. A questão é que a infância passou e levou com ela esse sentimento de vitória, o que prova ainda mais o quanto ser adulto pode ser um ato suicída. Deixo aqui, em especial, felicitações aos atores que estão em constante contato com situações improváveis e de risco. Pensei que atuar seria fácil, mas não há nada melhor do que encarar tudo como telespectador, e talvez essa seja a grande sacada de tudo: nunca somos somente uma das partes.

Hoje, quanto mais escuro fica, mais me vejo sufocado: pânico, ansiedade e impotência. Todos esses sentimentos causam dor e fazem a alma ansiar por uma dose instantânea de puro ecstasy pra morrer em paz. É uma luz temporária e funcional, só que nunca foi e nunca será a resolução pra todo esse caos. A resposta final eu já sei, mas a teimosia insiste em entrar em ação e não me deixar desacreditar que posso continuar atuando um pouco mais porque assim que eu piscar, o maior holofote do mundo irá me atingir num grau nunca antes visto.

A atuação não pode parar porque o telespectador sempre estará ali dando o seu apoio moral. O suporte que esse equilíbrio gera é o que torna tudo tão gracioso e fatalmente belo, mostrando o reflexo da podridão que habita dentro de nós mesmos. Talvez algum dia eu me vire do avesso e enxergue tudo o que há lá dentro - isso é, se houver -, e me surpreenda. Até que isso ocorra, a gente segue pilotando essa moto sem medidor de gasolina no escuro. 
O escuro me sufoca na mesma intensidade que me fortalece. O medo dele sempre foi real, agora eu sei.

1 trocas:

Thaís Souza disse...

Belo texto, amor!

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