[...]
No momento em que caiu, o saco de ossos emitiu um baque surdo e mortificado
contra o chão de madeira sujo. O tiro foi disparado e a bala foi de encontro à
sua cabeça, deixando apenas os vestígios mentais duma alma não tão menos
atormentada quanto à do autor do disparo. O bar não costumava lotar, mas nas
sextas, a atração principal era a pequena e doce Marie. Conquistava todos com
as suas ousadas coreografias orgásmicas fazendo muito homem casado dormir na
casa da mãe quando era indagado sobre como perdera o dinheiro ou sobre as
chicotadas nas costas.Quando ela dançava, todos paravam para apreciar aquela
vertigem. A música de cabaret deixava tudo mais sensual enquanto ela seguia
fazendo as suas acrobacias no poste. A confusão estava armada e Marie não
parava de dançar! Dois tacos de sinuca vieram na direção do autor do disparo e
com muita habilidade prum bebum, ele conseguiu desviar do primeiro e acertar um
soco no estômago do homem frustrado do outro lado, o derrubando sem fôlego. O
segundo taco foi quebrado em sua cabeça sem que ele pudesse fazer algo para
evitar. Sentiu o sangue quente escorrer por entre os olhos e mais uma vez sacou
a pistola automática e disparou três vezes seguidas na testa do homem. Todos no
bar o estavam olhando como se ele fosse o anticristo na Terra. O álcool no
sangue dele pareceu não anestesiar mais as emoções e no impulso, saiu correndo
em direção à porta. Cadeiras voaram em sua direção, mas não tão rápidas para
acertá-lo. Lá fora, entrou no seu Cadilac 89 e partiu em rumo ao nada.
Dizem
que quando as pessoas bebem às vezes elas fazem aquilo que não fariam lúcidas,
mas o que acabara de acontecer no bar, Oscar tinha certeza que nunca faria algo
parecido. Maldito álcool... Era
policial recém aposentado e isso explicava toda aquela performance no bar. E
como sempre, tudo começara por motivos banais: em casa, houve um
desentendimento com a mulher e então, para afogar as mágoas, decidiu beber até
cair e esquecer toda aquela crise de pré-separação. Sabia que essa necessidade
de deletar a parte ruim das coisas que um dia foram boas fazia parte do homem e
tampar um buraco com outro ainda maior, era a melhor forma de seguir vivendo.
Aplicava essa filosofia em praticamente toda a sua vida, principalmente como
policial. Durante uma operação numa favela em busca dum traficante que
praticamente comandava o tráfico naquela região, Oscar tomou uma atitude que
custou a vida do seu parceiro. A atitude, contudo, não sabia se tinha sido a
errada. Talvez não naquele momento,
mas lhe pareceu certa e entre acertos e erros, Fernando estava entre os seus
braços dando seus últimos suspiros de vida enquanto o sangue escorria pela
boca, nariz e ouvidos. A vida e as suas peças! Agora, pôde ouvir algumas
sirenes ao longe em sua perseguição. Devia ter matado dois e feito estragos
noutros, mas ainda estava totalmente com a mente enevoada para saber ao certo.
Cruzou um sinal que estava verde, mas o próximo estava vermelho. A adrenalina
tomou conta dele e sem pensar nas consequências, cruzou o vermelho. Não viu
quando uma mulher surgiu na frente do carro e por consequência de sua
imprudência, a acertou em cheio. Ao menos achava que era uma mulher. Não parou
o carro e seguiu em sua fuga para o além.
Quando
olhou no retrovisor, aqueles olhos o olharam como se não fossem mais os seus:
fundos e distantes das órbitas. Buscou forças para decifrar o que diziam quando
um lampejo os cruzou e o que viu no fundo daqueles castanhos escuros, foi
apenas desaprovação. As pálpebras pesaram e então apagou por um tempo que não
soube dizer se foram horas ou minutos, e uma lembrança o acometeu:
Quando
voltou a si, percebeu que as sirenes estavam mais distantes e se perguntou se
ainda estava sonhando, mas não, elas realmente estavam se afastando. Ou seria
ele? Quando percebeu, estava sozinho na estrada. Não era exatamente uma estrada...
Era uma ponte.
Longe
dali, numa das viaturas que perseguiam aquele louco e sem juízo, o policial
Matheus ligou o rádio e pediu para que o agente do outro lado da ponte a
subisse. Seria o fim da perseguição e o cara iria parar. Ele TERIA que parar... Ligou para a mulher e
disse que chegaria um pouco tarde em casa. “Sem problema, amor”, foi a resposta
da esposa e voltou para o amante.
Oscar
notou que a ponte estava sendo içada e sabia que não havia mais como parar
aquilo. Na verdade, nem sabia se queria fazê-lo. Tomou um gole do whisky e
largou a garrafa no banco do passageiro, pisou fundo no acelerador e se
entregou àquilo que na certa seria o fim de todos os problemas, o fim de sua
vida. O marcador de velocidade mostrava 120 km/h no momento em que o carro
planou pelo pequeno espaço entre as duas partes da ponte. O carro bateu com um
baque metálico do outro lado e parou, começando a jogar fumaça para fora. Oscar
viu a polícia, o esperando, à espreita do fugitivo de merda que ele era. Aquele
era o fim, ele sabia. E no rádio, tocava alguma música que não sabia de quem
era, nem o que significava, mas quando chegou no trecho “knive’s out”, Oscar
não sacou a sua faca, mas a sua arma e a colocou dentro da boca. Não houve
hesitação nem filme sobre sua vida diante dos olhos fechados e então o gatilho
foi puxado. Tudo foi sugado pelo buraco negro da morte e no negro Oscar
desapareceu.
1 trocas:
Audacioso. Instigante. Brutal!
Ótima narrativa, excelente manuseio das emoções e boa sequência de acontecimentos!
Vou me abster de comentar sobre uns pequenos vícios, mas... nada que o tempo e a prática não resolvam!
=)
Postar um comentário
Licença pra licença poética!